Ah, o verão! Quantas lembranças ele deixa todos os anos! O meu último deixou lembranças sim, mas não tão alegres e elas esperaram o ano todo para virar post. Chegou a hora! Contando um pouco do que vivi, você vai entender a importância que o assunto tem para qualquer pessoa (eu espero).
No dia 07 de fevereiro do ano passado, mais ou menos umas duas horas da tarde, estava eu com a bolsa a tiracolo, de saída para a maternidade onde iria acompanhar o nascimento de um bebê muito aguardado, o Miguel. O verão estava caprichado e o calor daquele dia foi de sair no Jornal Nacional, com sensação térmica de quase 60°C. Apesar do suor quase me desidratar, eu tinha todos os motivos para estar feliz e contente, porque além do bebê, também era aniversário de 12 anos da minha irmã, Maria Júlia. Muito amor!
Foi quando tocou o meu celular. Era o número do meu namorado (que chamo assim mas nós moramos juntos faz tempo), mas quem falou comigo foi um homem que se identificou como bombeiro do SAMU e que me perguntou se eu era a Vanessa. Bem, naquele momento eu vi que alguma coisa séria tinha acontecido e precisei sentar. Ele havia saído de moto, isso era o que eu sabia. A ligação estava horrível e só depois de cinco tentativas foi que consegui entender que tinha acontecido um acidente e que ele estava na ambulância, sendo levado para um hospital.
Peguei um táxi, avisei para minha amiga que estava chegando na maternidade (só para ela entrar tranquila na sala de parto) e fui para o hospital. Aquele dia foi muito intenso e eu acho que nunca vou me esquecer de cada detalhe – apesar disso, não vou contá-los todos porque não vêm ao caso. Basta dizer que o acidente foi grave mas que ele estava vivo, inteiro e que as lesões sofridas poderiam ser tratadas – além de que ele teve muita sorte. Ali começava um período igualmente inesquecível do meu ano, em que me dediquei inteiramente a cuidar dele e de suas queimaduras, que foram meio feias. Por causa do calor realmente muito intenso, ele não vestiu a jaqueta que sempre usava para sair de moto, então não tinha proteção para a pele (a velha lei de Murphy) e aí, caindo desmaiado sobre o asfalto quente - que naquele dia com certeza estava especialmente pelando – acabou se queimando.
Três vezes por semana nós íamos trocar os curativos no Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Federal do Andaraí, aqui no Rio de Janeiro. Esse lugar é uma referência em tratamento de queimaduras e, além do meu namorado, muitas outras pessoas também frequentavam o ambulatório. Conheci um monte de histórias e acompanhei a recuperação de muita gente. Cada dia que íamos lá, alguém ficava um pouco melhor e todo mundo compartilhava dessas pequenas vitórias. Apesar das conquistadas com cada curativo retirado, também tinha sempre um caso novo e não foram duas nem três vezes que fui embora chorando, especialmente pelas criancinhas.
Agora é que você vai entender onde o blog entra nessa história.
Eu conversava muito com os parentes enquanto aguardava na sala de espera e vi que a maior parte dos acidentes que aconteceram com os pacientes foi dentro de casa, na cozinha. Uma moça que tinha curativos da orelha à cintura se desequilibrou ao abrir o forno e acabou esbarrando o braço no cabo da panela de água quente em cima do fogão, que virou em cheio sobre as costas dela. Uma adolescente queimou a barriga e as pernas porque se descuidou com a panela de óleo enquanto fritava salgadinhos. Eram quase sempre casos assim, em que a pessoa está numa boa na cozinha e, de repente, o acidente acontece.
O que mais me chamou a atenção foi o seguinte: quando uma panela vira sobre um adulto, ele queima uma parte do corpo. Quando isso acontece com uma criança, ela se queima inteira. Não tinha uma criança sequer que não estivesse usando (ou que já tivesse tirado) uma malha própria para a cicatrização das queimaduras que veste toda a cabeça e tem só os buracos dos olhos, do nariz e da boca, como uma máscara. Elas estavam queimadas da cabeça aos pés e o pouco que dava para ver era de arrepiar.
Queimadura grave é uma coisa muito diferente daquela vermelhidão que fica na sua pele quando você encosta sem querer numa assadeira quente. A maneira como ela deve ser tratada é extremamente dolorosa e, quando isso não é feito corretamente, deixa marcas horríveis – fora o risco de infecção e de vida que existe, caso você não saiba.
Eu juro que é melhor não explicar muito sobre o que vi nessas crianças, porque era infinitamente pior do que a situação do meu namorado, que já causava arrepios nas pessoas que vinham visitá-lo. Os olhinhos tristes, a pele repuxando os dedinhos das mãos, era um pesadelo.
Para você entender o quanto precisamos tomar cuidado e como podemos evitar que as crianças se acidentem, vou dar o exemplo de como uma delas se queimou: com uma garrafa de álcool e o fogo da churrasqueira, debaixo do nariz de toda a família. Acidentes assim acontecem num estalar de dedos. Basta um pequeno descuido, muito pequeno e pronto: o estrago foi feito.
Diante de tudo aquilo, eu só pensava na necessidade de escrever um post sobre o assunto, para conscientizar o maior número de pessoas possível. O problema é que se eu fizesse isso naqueles dias, iria dizer que criança não pode passar pela porta da cozinha em hipótese alguma, que cozinha precisa ter cerca. Como sei que isso não é realista, esperei que os meses se passassem até que eu conseguisse ter um pouco de distanciamento da situação.
Há alguns dias, senti que era chegada a hora de escrever este post. Entrei em contato com o Dr. Luiz Macieira Guimarães Junior, chefe do Centro de Tratamento de Queimados do Hospital Federal do Andaraí e pedi uma pequena entrevista para o blog. Ele teve a gentileza de me responder, confira:
Pessoas que estão aprendendo a cozinhar podem não fazer ideia do perigo que correm na cozinha, seja com panelas de pressão ou até mesmo com a água do café. É possível dizer quais são os principais acidentes domésticos que causam queimaduras?
A maior causa de queimaduras, principalmente em mulheres e crianças são os líquidos aquecidos ( água, óleo, feijão etc). Normalmente, elas ocorrem dentro de casa. Algumas pessoas, irresponsavelmente, permitem a circulação e até mesmo a acomodação de crianças na cozinha enquanto preparam refeições.
Imagino que grande parte das pessoas que sofrem queimaduras na cozinha não procure o hospital ou mesmo que busque aliviar a dor antes de receber o atendimento. Neste caso, como se deve tratar a lesão?
Erradamente, as pessoas se valem da proximidade de produtos caseiros no tratamento das queimaduras, como: manteiga, pó de café, farinha etc. Esses produtos não devem ser aplicados nas feridas porque, ao receber atendimento médico, eles terão que ser removidos para uma melhor avaliação da lesão, o que vai causar mais dor. Considere também que o uso desses produtos pode causar infecção.A conduta correta nesses acidentes é a aplicação de toalhas embebidas em água gelada (30 minutos). Isso vai aliviar de imediato a dor e neutralizar a ação do calor, evitando que a queimadura atinja camadas mais profundas da pele. Após essa conduta, a queimadura deve ser recoberta aplicando-se uma camada fina de vaselina pura e gaze. A simples oclusão da lesão impede a exposição das terminações nervosas – descobertas pela ausência de pele – e alivia a dor.
Como é possível uma pessoa leiga avaliar se é preciso buscar atendimento médico após sofrer uma queimadura? Existe algum tipo de recomendação para a escolha do hospital onde será encaminhada a pessoa queimada ou qualquer emergência deve estar apta para fazer esse tipo de atendimento?
A questão da necessidade de atendimento médico vai ser ditada pelo tamanho da queimadura, sua profundidade e localização, além das condições psicológicas e sócio-econômicas da vítima. Resumindo, uma pessoa com poucos recursos deve procurar uma emergência qualquer para o atendimento. É recomendável que os centros especializados devam ser reservados para acidentes graves.
A gente não quer precisar dessas recomendações, mas precisamos saber como proceder, porque estamos constantemente expostos ao risco de acidentes domésticos desse tipo. Para evitá-los ao máximo, aqui vão algumas recomendações:
Para evitar queimaduras na cozinha e no churrasco
- Use luvas térmicas de cozinha para pegar travessas e formas quentes. Se ainda não tiver umas luvas dessas, que são próprias para pegar coisas quentes, use um pano de prato ou toalha de mão bem dobrado (nunca molhado) para cada mão. Isso exige um pouco mais de habilidade, então recomendo que compre suas luvas de uma vez. Essa medida não só evita que você faça queimaduras leves, mas que você, no desespero, não acabe soltando um recipiente cheio de líquido fervente sobre seu corpo;
- Quando estiver mexendo ingredientes na panela, segure firme no cabo ou na alça para mantê-la estável. Pode parecer besteira mas a panela pode mesmo virar enquanto você mexe;
- Quando a panela estiver sobre o fogo, vire o cabo ou as alças para trás ou para o lado, para que você não esbarre neles. Além de se proteger de um acidente como o que contei lá em cima, também evita que uma criança apareça de repente e puxe a panela para ver o que tem dentro (eles adoram fazer isso), o que é um recurso usado normalmente por qualquer pessoa que não tem altura para olhar sobre alguma coisa;
- O chão da cozinha deve estar sempre limpo e seco, para evitar escorregões. Numa dessa você cai com a panela na mão e pronto;
- Não faça as coisas correndo e nem permita correria na sua cozinha. Quando estamos nesse estado acabamos causando acidentes e você com certeza já passou por alguma situação desse tipo na vida, em que terminou dizendo que “a pressa é inimiga da perfeição”;
- Não use panela de pressão sem saber como ela funciona e sem garantir o perfeito estado das válvulas de segurança;
- Líquidos inflamáveis (como álcool) devem ficar longe de fontes de calor como o fogão e a churrasqueira, de preferência onde nenhuma criança possa pegar;
- Mantenha as crianças afastadas do fogão, das panelas quentes e da churrasqueira. Somente quando elas souberem o risco que correm, como evitá-los e que você tiver absoluta certeza de que pode confiar nelas, é que deixarão de ser crianças – neste aspecto. (Aqui tem um guia completo para cozinhar com crianças de todas as idades.)
- Num churrasco, não é aceitável que você beba a ponto de esquecer os cuidados que precisam ser tomados ou que fique se divertindo como se não tivesse que cuidar de quem precisa do seu cuidado. Você vai se arrepender tanto depois que o acidente acontecer que com certeza vai pedir para voltar no tempo e fazer diferente. Portanto, seja responsável pela área em que está cozinhando.
Mesmo que você tome todos os cuidados acima, é preciso saber como agir caso o acidente aconteça.
O que fazer em caso de queimadura
- Mantenha a calma. Certamente o nervosismo é o primeiro a bater na porta mas você precisa ter calma para não piorar a situação. Pare e pense em tudo o que você aprendeu aqui antes de fazer qualquer coisa;
- Não passe nada sobre a queimadura. Como o Dr. Luiz Macieira explicou, essas receitas caseiras podem causar uma infecção e também vão dificultar o primeiro atendimento, quando irão limpar a lesão para tirar qualquer resíduo. Se você quer ajudar alguém que se queimou, saiba que colocar pasta de dente, manteiga, clara de ovo ou pomada (mesmo que seja uma pomada de queimadura) só vai fazer com que a pessoa sofra mais depois;
- Para aliviar a dor e diminuir a ação do calor, não há nada como água gelada (não é gelo!). Basta molhar uma toalha limpa com água da torneira e colocar sobre a queimadura, trocando a cada 30 minutos;
- Com a queimadura limpa e depois de ter feito compressas de água gelada, passe vaselina pura e tampe com uma gaze. Esse curativo deve ser trocado diariamente depois de você lavar a ferida no banho;
- Se você achar que deve buscar atendimento médico, vá a uma emergência comum. Se o caso for mais grave, os profissionais que vão avaliar a queimadura farão o encaminhamento para um centro especializado;
- Troque os curativos em casa e cuide da queimadura conforme orientação médica (se houver), mesmo que a dor seja muito grande e você tenha vontade de desistir. É importante fazer exatamente o que o médico mandar não só para evitar uma infecção mas também para que a cicatrização ocorra da melhor maneira possível. Não faça nada além do que for recomendado pelo médico que avaliou a sua lesão.
Encontrei uma entrevista com o Dr. Luiz Macieira no site da Rádio Globo e recomendo que ouça, se quiser saber ainda mais detalhes sobre o que fazer em caso de queimadura e como avaliar se precisa ir para o hospital.
O meu queimadinho aqui ainda está cuidando das cicatrizes, mas a maior parte da área lesionada já está 100% recuperada!
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